
Texto de orelha por Abilio Pachêco
Este segundo livro de Diego Wayne, coloca-nos imediatamente no centro das preocupações humanas desde o momento em que lemos o título. Se Sêneca afirmava que o homem era o lobo do homem, Diego sugere que nós vivemos entre escorpiões, espinhos, páginas sanguinárias. O homem deste tempo é “um maléfico animal bélico e irracional / movido por maquinações”. O sujeito lírico destes poemas nos coloca diante de uma vivência de choques constantes: injustiças, guerras, lutas pelo poder... A história da humanidade lida sob o ponto de vista dos oprimidos. Se “gays, mulheres, negros / incomodam muita gente”, os poemas de Diego nos indicam a possibilidade e a importância de ler a Histórica a contrapelo, como afirma Walter Benjamin. São poemas de convite à reflexão e à resistência, que integram a primeira parte do livro, intitulada “Manifesto do medo”. Mas os poemas de Diego não param por aí. Embora a luta continue presente na segunda parte do livro, este jovem poeta também nos apresenta poemas lírico-amorosos. O amor com suas delicadezas e sutilizas, mas também o amor e sua força impetuosa e violenta. Os jogos intertextuais e interdiscursivos, o passeio pela literatura universal, mas também pelas canções (como a epígrafe de Riahnna), ícones da cultura pop (Marylin Moroe) e referenciais bíblicas não só nos mostram um repertório de leituras como também as escolhas feitas para o estabelecimento deste diálogo, e de dessacralização. O amor carregado de erotismo também percorre as páginas desta segunda parte do livro de Diego. Versos que dialogam com iniciados e possuem uma linguagem que reflete os ensaios fotográficos que Diego costuma postar em seu instagram. Versos eróticos, como em “Cavalo de tróia” potentes e desafiadores, mas também versos deliciosos para serem lidos ao pé do ouvido, como “Casa comigo”.
As duas partes deste livro se completam. Falar de amor, de
amor erótico, de amor erótico homossexual, num mundo fechado a todas as formas
de amar e do amor; falar da fúria e da delicadeza que podem ser os
relacionamentos amorosos, num mundo cheio de escorpiões sanguinários, é também
uma forma de resistência e um convite à luta. Como li num muro de uma
universidade pública “Eles odeiam o amor. Odeiam a poesia. Façamos amor. E façamos
versos”
O CORAÇÃO DO HOMEM
O homem do meu tempo
é um maléfico animal bélico e irracional
Movido por maquinações
abusa mulheres e crianças
pulsa dentro de si um coração recheado de insensibilidades
No lugar de cérebro
um cemitério de gárgulas à espera da carniça
do primeiro a desistir dessa guerra sangrenta pelo poder.
Abafada está a voz de Deus pelo homem bomba
que respira guerra ingere balas e as vomita na boca de
inocentes.
Somos todos rebanhos à espera da sangria.
EROS
Cama macia
pele sedosa
arde no meio
da noite
atiçamos a brasa
a nudez velada
a boca se abre faminta
a fome não cessa
a terra gira
palavras escapam
como balões de ar
suor e sal
momento irracional
no peito o coração implode
a alma padece no íntimo.
MONÓLOGO
Amar só
é desfazer
as suturas do peito
todos os dias
pra alimentar-se
do próprio coração.
MALOGRO
O amor de outrora
malogra a fenda entre as costelas
de todos os abismos
foi o mais fundo que cheguei
bebo sobrevivência em doses homeopáticas
porque tudo que me alegra aproxima-me da morte
trago nas mãos um punhado de estrelas vivas
pra quem pinçar meu coração do peito.
IVANENSON
Saudade
é um arco-íris
que não se desfaz.
EROS II
Músculos
Saliva
sal
Suor do teu corpo
que provo com gosto
minha língua é uma serpente cega
que entra e sai
do teu templo de amor
ao teu lado calado
sou uma caixa de abelhas
prestes a ser aberta.
Um comentário:
Muito bom!
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