18 de fevereiro de 2023

Entre Escorpiões

Texto de orelha por Abilio Pachêco

 

Este segundo livro de Diego Wayne, coloca-nos imediatamente no centro das preocupações humanas desde o momento em que lemos o título. Se Sêneca afirmava que o homem era o lobo do homem, Diego sugere que nós vivemos entre escorpiões, espinhos, páginas sanguinárias. O homem deste tempo é “um maléfico animal bélico e irracional / movido por maquinações”. O sujeito lírico destes poemas nos coloca diante de uma vivência de choques constantes: injustiças, guerras, lutas pelo poder... A história da humanidade lida sob o ponto de vista dos oprimidos. Se “gays, mulheres, negros / incomodam muita gente”, os poemas de Diego nos indicam a possibilidade e a importância de ler a Histórica a contrapelo, como afirma Walter Benjamin. São poemas de convite à reflexão e à resistência, que integram a primeira parte do livro, intitulada “Manifesto do medo”. Mas os poemas de Diego não param por aí. Embora a luta continue presente na segunda parte do livro, este jovem poeta também nos apresenta poemas lírico-amorosos. O amor com suas delicadezas e sutilizas, mas também o amor e sua força impetuosa e violenta. Os jogos intertextuais e interdiscursivos, o passeio pela literatura universal, mas também pelas canções (como a epígrafe de Riahnna), ícones da cultura pop (Marylin Moroe) e referenciais bíblicas não só nos mostram um repertório de leituras como também as escolhas feitas para o estabelecimento deste diálogo, e de dessacralização. O amor carregado de erotismo também percorre as páginas desta segunda parte do livro de Diego. Versos que dialogam com iniciados e possuem uma linguagem que reflete os ensaios fotográficos que Diego costuma postar  em seu instagram. Versos eróticos, como em “Cavalo de tróia” potentes e desafiadores, mas também versos deliciosos para serem lidos ao pé do ouvido, como “Casa comigo”.

As duas partes deste livro se completam. Falar de amor, de amor erótico, de amor erótico homossexual, num mundo fechado a todas as formas de amar e do amor; falar da fúria e da delicadeza que podem ser os relacionamentos amorosos, num mundo cheio de escorpiões sanguinários, é também uma forma de resistência e um convite à luta. Como li num muro de uma universidade pública “Eles odeiam o amor. Odeiam a poesia. Façamos amor. E façamos versos”



O  CORAÇÃO DO HOMEM

O homem do meu tempo

é um maléfico animal bélico e irracional

Movido por maquinações

abusa mulheres e crianças

pulsa dentro de si um coração recheado de insensibilidades

No lugar de cérebro

um cemitério de gárgulas à espera da carniça

do primeiro a desistir dessa guerra sangrenta pelo poder.

Abafada está a voz de Deus pelo homem bomba

que respira guerra ingere balas e as vomita na boca de inocentes.

Somos todos rebanhos à espera da sangria.



EROS

Cama macia

pele sedosa

arde no meio

da noite

 

atiçamos a brasa

a nudez velada

a boca se abre faminta

 

a fome não cessa

a terra gira

palavras escapam

como balões de ar

 

suor e sal

momento irracional

no peito o coração implode

a alma padece no íntimo.

 

MONÓLOGO

Amar só

é desfazer

as suturas do peito

todos os dias

pra alimentar-se

do próprio coração.


MALOGRO

O amor de outrora

malogra a fenda entre as costelas

de todos os abismos

foi o mais fundo que cheguei

bebo sobrevivência em doses homeopáticas

porque tudo que me alegra aproxima-me da morte

trago nas mãos um punhado de estrelas vivas

pra quem pinçar meu coração do peito.


IVANENSON

Saudade

é um arco-íris

que não se desfaz.


EROS II

Músculos

Saliva

sal

Suor do teu corpo

que provo com gosto

minha língua é uma serpente cega

que entra e sai

do teu templo de amor

ao teu lado calado

sou uma caixa de abelhas

prestes a ser aberta.

Diego Wayne é capricorniano, paraense formado em letras língua inglesa pela UFPA e pós- graduado no Ensino de Artes. Publicou em 2018 seu primeiro livro de poesia Coração de Unicórnio (Rico editora) e agora Entre Escorpiões (Editora Patuá)

Um comentário:

Sonia disse...

Muito bom!